domingo, 15 de janeiro de 2017

Reflexão sobre um suposto "ódio" às motocicletas Harley-Davidson

Não há dúvidas de que a Harley-Davidson é uma das marcas mais reconhecidas na cultura motociclística, vinculada principalmente às cruiser/custom que se tornaram a especialidade do fabricante. Mas se por um lado não faltam entusiastas dispostos a pagar principalmente pela imagem firmada através de uma publicidade com apelo nostálgico, por outro ainda há uma legião de críticos que vão desde os mais moderados com opiniões contrárias à configuração mecânica dos modelos até os mais radicais que efetivamente desprezam qualquer referência à marca.
A bem da verdade, especificações técnicas costumam ser o que menos importa para o público-alvo da marca. Da imagem de rebeldia e contestação firmada por Hollywood entre as décadas de '50 e '60 aos cromados em abundância, ganhou novo simbolismo como uma parte central do American Dream, e assim não falta quem despreze qualquer fabricante europeu ou japonês a favor da Harley-Davidson. Pouco importa que a refrigeração a ar não seja tão eficaz num motor de 2 cilindros em V com o virabrequim numa orientação transversal e o 2º cilindro apresente uma tendência a trabalhar sempre mais quente, tampouco a baixa potência específica ou o peso um tanto quanto excessivo. Às vezes, tanto o preço alto quanto a preferência irredutível pela marca leva à consolidação de estereótipos ofensivos apontando desde a idade quanto em especulações em torno da opção sexual como motivos para atribuir a compra de uma Harley-Davidson a uma suposta necessidade de afirmação. Realmente, apesar de haverem exceções, ao menos no Brasil a barreira do custo ainda leva muitos apreciadores das motos cruiser/custom a serem mais receptivos modelos oferecidos por fabricantes de outras nacionalidades, principalmente os japoneses por terem se firmado na produção em grande escala e praticamente relegado europeus e americanos a nichos mais específicos.
Tomando por referência a antiga Honda CB 450, que por volta de 10 anos atrás mesmo já estando fora de linha ainda era bastante popular para customizações, o motor de 2 cilindros em linha com refrigeração mista a ar e óleo já apresenta menos discrepâncias na eficiência do arrefecimento entre um cilindro e outro. Alguns alegariam ser injusto categorizar a CB 450 nessa categoria mesmo com uma versão tendo recebido de fábrica a denominação Custom, o que até procede devido ao acerto original de chassi que não era tão "especializado" nas longas retas muito mais comuns nas estradas americanas que nas de outros países como o Brasil. Guardadas as devidas proporções também no tocante à cilindrada e regimes de rotação, bem como a forma que potência e torque são afetadas, de certa forma pode ser considerada justificada a escolha por modelos que não poderiam nem ser categorizados tão precisamente como concorrentes das Harley-Davidson mesmo que indiretamente. Por outro lado, a popularidade da configuração também conhecida como parallel-twin em motos inglesas de alta cilindrada como as Triumph Bonneville e Thunderbird (embora atualmente recorram à refrigeração líquida) mostra que é mesmo uma escolha eventualmente até mais acertada que os V-Twin tão cultuados pelos harleyros.

O uso de versões modificadas dos motores da série Sportster na linha de motocicletas esportivas da Buell, com modelos como a Lightning e a Ulysses, até poderia à primeira vista soar como um bom contraponto às críticas. De fato, é notável o bom resultado obtido principalmente em função dos chassis excelentes que incorporavam soluções como o posicionamento do tanque de combustível entre as travessas superiores e o uso da balança de suspensão traseira como reservatório para o óleo do motor com sistema de cárter seco, além do freio dianteiro com disco perimetral, mas o motor deixa a desejar. Até houve uma época que a Buell ensaiava o uso de motores Rotax com refrigeração líquida e comando de válvulas duplo nos cabeçotes, mas os planos foram encerrados quando a divisão foi extinta.

Está longe de ser impossível a incorporação de motores mais avançados na linha Harley-Davidson, como já foi comprovado pela série VRSC, mais conhecida pelo modelo V-Rod, embora a aparência moderna (mesmo já estando em produção desde 2001) e um tanto contrastante com as séries mais nostálgicas eventualmente leve alguns puristas mais fanáticos a um descontentamento. Os comandos de válvulas duplos nos cabeçotes do motor Revolution de 4 válvulas por cilindro e projetado em parceria com a Porsche também foram de certa forma um choque para quem ainda estava mais habituado à imagem de simplicidade e robustez atribuída ao comando de válvulas no bloco. No entanto, ao lembrarmos que a Sportster também apresenta um total de 4 eixos de comando de válvulas ainda que posicionados no bloco ao invés dos cabeçotes e conta com apenas duas válvulas por cilindro, apesar de ainda ser sincronizado diretamente por engrenagens a configuração mais antiga não parece se manter tão incrivelmente vantajosa no tocante ao desempenho...





Tanto os japoneses quanto a eterna rival Indian já mostraram que, mesmo com uma modernização dos motores, é possível proporcionar um resultado estético agradável aos olhos de um público fiel às custom como os harleyros. Além da confiabilidade que a refrigeração líquida traz ao minimizar discrepâncias entre as temperaturas do cilindro traseiro com relação ao dianteiro, não se deve subestimar uma estabilização mais rápida da marcha-lenta após a partida e ainda uma redução no consumo de combustível proporcionada pela menor necessidade de recorrer a uma mistura mais rica para auxiliar na refrigeração. Diante de normas de emissões mais rigorosas que também começam a abranger as motocicletas, não deixa de ser um caminho sem volta...


Seria difícil, no entanto, ignorar que a aparência mais tradicional das Harley-Davidson agrega valor a funções cerimoniais como escolta de dignitários, mas estão longe de ser a melhor opção para outras operações policiais como patrulhamento urbano onde a manobrabilidade fica mais comprometida ou perseguições em alta velocidade onde a refrigeração precária poderia comprometer a confiabilidade e a aerodinâmica menos apurada se torna uma dificuldade a mais. A posição de pilotagem de uma Road King Police pode ser de fato cômoda enquanto não estiver parada com o peso concentrado sobre um dos joelhos do condutor, mas na prática algumas motos de concepção menos primitiva como a já antiga Yamaha TDM 850 que chegou a ser usada pela Brigada ao menos no Batalhão de Operações Especias ou mesmo a Yamaha XTZ 250 Lander que se tornou o modelo mais comum em operações de patrulha em Porto Alegre fazem muito mais sentido.

Deixando um pouco de lado eventuais preconceitos e estereótipos referentes a usuários de uma marca específica de motocicletas, qualificar simplesmente como "ódio" uma objeção a certas características técnicas não faz tanto sentido. Enfim, por mais que a Harley-Davidson mantenha uma aura capaz de capturar tanto o "motoqueiro selvagem" fã das choppers quanto sexagenários com tempo livre para cair na estrada com a patroa e um gosto mais conservador quanto ao estilo, está longe de ser imune a críticas.

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